Conforme ficara democraticamente decidido na noite anterior, a caravana apresentou-se para um pequeno-almoço madrugador, já com a tralha arrumada. Com o estômago cheio e o check-out tratado, era tempo de rumar a La Molina. Antes porém, despedida dos manos Schleck, que não aguentaram o ritmo e regressaram mais cedo a casa, e praxe aduaneira na fronteira espanhola. A viagem com destino ao novo bike park fez-se sem novidade, e depois de dar uma espreitadela no hotel Roc Blanc e reservar os quartos, seguimos à procura do almejado destino. E quanto mais procurávamos, mais ele se escondia. Por fim, após muitas rotundas e inversões de marcha, lá vimos uma nesga de um cartaz a anunciar o dito.
Eram cerca das 10.30 locais quando, com a tralha preparada e o forfait tratado, demos início às hostilidades com esta etapa, da qual tínhamos ouvido histórias arrepiantes, principalmente a temida pista negra. Com a sua conhecida habilidade e cabeça de vento, o Alberto Stressador tornou-se logo muito amigo do operador da cabine. Desta vez foram os goggles que quase ganharam uma viagem completa no carrossel.
Com um bom senso invulgar nestas coisas, optou-se por começar pela pista azul, para apalpar terreno e ver se as nuvens negras do dia anterior tinham deixado o piso circulável. E tinham. O traçado revelou-se agradável, embora feito a medo pela quase totalidade do pelotão. Contudo, ainda a primeira descida não tinha terminado, já o parque fazia jus à sua fama de mauzão (se bem que neste caso, mais por falta de bom senso do que qualquer outro motivo). Tendo entrado no wood park já a pensar “ah, isto afinal não é assim tão mau”, siga para cima dos relevês em madeira molhada, e pronto, está aberto o marcador. La Molina 1 – Albertos 0. Foi mais o aparato e a nódoa negra na perna do Trancador que outra coisa, mas ainda assim o suficiente para deixar o corredor abalado o resto da manhã.
Seguiu-se a pista da marmota, de onde os ciclistas trouxeram duas recordações: o perfume característico dos trilhos frequentados por ruminantes e trialeiras de perda molhada e aguçada. Muitas e inclinadas, umas a seguir às outras. E que nunca mais acabavam. Afinal parece que sim, isto é mesmo mauzinho. “Depois do almoço já não desço mais.” Mas como não há bem que nunca acabe, nem mal que sempre dure, foi com agrado que vimos ao longe a já conhecida entrada para o wood park, que tornou a fazer estragos no pelotão. Desta feita foi o Alberto Filmador, que depois de subir exageradamente o wall ride, percebeu tarde demais que não levava velocidade para concluir a manobra. La Molina 2 – Albertos 0. Alguns Albertos começaram a levantar a possibilidade de não comparecer à partida depois do almoço.
Mais uma descida, mais uma surpresa. Desta feita era a pista vermelha normal. Até certa altura, o pelotão rodou tranquilamente. E inclusive, quase assistimos, incrédulos, ao Alberto Roncador a passar um road gap de dimensões consideráveis (reparem que eu disse “quase...”). E dali em diante, foi sempre a descambar. Descidas com uma inclinação brutal, relevês em borracha (WTF???), mais trialeiras com escapatória directa para o traseiro do demo (eu disse do Demo, e não da Demo...), mas isto nunca mais acaba? Afinal acabava. No wood park... o pelotão decidiu ir conhecer os duplos que ficam mesmo ao lado.
E com tudo isto, era hora de reabastecimento. Os Albertos rolaram compactos (de tão amassados que estavam) até ao Burger King local, onde lhes foi introduzido o novo conceito de self-service. Café? Tome lá os grãos moídos e faça “usted mismo”. Hamburguesa? Os aventais estão “à la mano derecha”.
O espírito pós-reabastecimento era francamente desanimador. Os corpos doridos (uns mais que outros), as nuvens que começavam a surgir por detrás do pico do Cadi, as trialeiras e as raízes molhadas, e o receio da tão falada pista preta ditaram a separação do pelotão. Os Albertos Stressador, Filmador, Rosnador e Roncador foram tentar a sua sorte na dita, enquanto os Albertos Trancador e Medalhad’or se ficaram por trilhos já conhecidos, com a promessa que seria a última descida. Mas à medida que o final se aproximava, lá vinha o pensamento “Bem, só mais uma e depois acabamos”. E nem o wood park escapou. A secção de shores que dava acesso ao slope style estava mesmo, mesmo a pedir só mais uma.
À entrada para a telecabine, os destemidos Albertos que tinham ido explorar a mítica pista negra contavam entusiasmados que afinal esta tinha mais fama que outra coisa, e que em comparação, a pista marmota era bem pior. E foi com este pensamento que o grupo de Albertos mais pequeno, já lançado slope abaixo para mais uma dose de pista azul, resolveu arrepiar caminho e tentar a sua sorte. Uma primeira secção já conhecida da pista vermelha, depois algumas trialeiras em cima de relevês que deram algum trabalho a negociar, sempre com o traseiro do demo à espreita lá em baixo, e depois a tão falada pista “ancha” (e não “larga”), que era não mais do que um estradão com uma pendente incrível e os relevês mais abusados de todo o Tour, tudo isto apimentado por saltos e peões assustados! E para terminar, o shore “caracol”, que de manhã teria sido morte certa. Foi com alguma surpresa que os dois grupos de Albertos se reencontraram junto ao Lago La Molina. Mas o sorriso que espreitava por dentro dos capacetes dizia tudo.
As sombras do Tossa d’Alp que começavam a cobrir a encosta, e as nuvens que apareciam em força indicavam que era hora de apertar o ritmo. Os seis Albertos fizeram mais uma passagem rápida pela pista azul, por aquela altura já eleita a favorita. Desta vez, o ritmo era mais fluido, com muitas picardias e ajustes de contas pelo meio. A secção dos duplos e relevês naturais dentro do pinhal suplicava mais uma passagem, o que foi aceite de bom grado pelo pelotão. Antes, tempo ainda para treinar os whips e outras manobras arriscadas na secção de slope style, onde os shores, duplos e drops em madeira já não apresentavam segredos.
E foi já a fugir à chuva que rolava encosta abaixo atrás do pelotão, que os Albertos se lançaram em louco sprint até à meta, não sem antes o parque colocar novamente toda a gente em sentido, depois de o Alberto Filmador ter alargado uma trajectória e voado para cima de um pinheiro. La Molina 3 – Albertos 0. Mas nem isto desmoralizou os corredores, que em fila compacta foram devorando em grande velocidade os últimos metros de “descenso” deste louco Tour dos Pirenéus. Em tão grande velocidade, diga-se, que no último duplo o Alberto Trancador viu com algum espanto a recepção a ficar perigosamente lá para trás... “Upsss”! E pronto, estava feito o resultado final. 4 secos sem resposta, só para não terem a mania que La Molina é como “na parte Norte”.
Lavadas as montadas e arrumada a tralha, alguns Albertos cederam à pressão do Stressador, que insistiu em ainda vir a Ouressa tomar banho e ver mais uma capítulo da Lua Vermelha. Os apressados repetiram a dose de hamburguesas “faça você mesmo” e depois das despedidas, fizeram-se à estrada para 1300 km de caminho até casa, após um dia esgotante.
Os Albertos Trancador e Medalhad’or baixaram ao hotel em todo o conforto. Da janela do quarto podíamos observar o árduo trabalho pré-época das futuras campeãs espanholas de ski, e tudo isto sem sequer sair da cama. Depois do jantar, enquanto confraternizavam com a selecção espanhola feminina de ski alpino, numa animada partida de snooker em conjunto, puderam observar o país a arder e a monumental colecção de troféus de caça existente no fumoir do hotel. O dono do hotel, o conhecido esquiador Josep Maria “May” Luengo, explicou que se tratava de cabeças de ciclistas incautos que tinham vindo a La Molina a pensar que eram “muita malucos”...
1 comentário:
Brutissimo!!!
Já agora...ficou 5-0...tb contribui na pista roja...
VG
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